A Nova Sistemática Recursal Trabalhista da Resolução nº 224/2024 do TST: Desafios e Perspectivas para a Advocacia
- Elaine Molinaro
- 27 de mar.
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A Nova Sistemática Recursal Trabalhista da Resolução nº 224/2024 do TST: Desafios e Perspectivas para a Advocacia
Por Elaine Cristina Pereira Molinaro
Advogada; Presidente da Comissão Nacional de Direito e Processo do Trabalho da ABA; Presidente da Comissão de Precedentes Trabalhistas da OAB-RJ; Membro do IAB; Diretora Geral da ABA-RJ.
1. Introdução
A dinâmica processual no âmbito da Justiça do Trabalho passa, em 24 de fevereiro de 2025, por uma significativa transformação com a entrada em vigor da Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024, do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A norma altera substancialmente o sistema recursaltrabalhista ao prever o cabimento de agravo interno nas hipóteses de negativa de seguimento ao recurso de revista fundado em tese jurídica pacificada por meio de Incidente de Recursos Repetitivos (IRR), Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e Incidente de Assunção de Competência (IAC).
A modificação insere-se em uma lógica de racionalização do fluxo processual, alinhando o processo do trabalho à sistemática estabelecida pelo Código de Processo Civil ( CPC) e, simultaneamente, reforçando a aplicação dos precedentes qualificados. Contudo, essa nova estrutura impõe à advocacia trabalhista desafios de ordem técnica, estratégica e prática, que exigirão um aprofundamento nas noções de direito processual e na dinâmica dos tribunais superiores.
Este estudo analisa criticamente os impactos dessa inovação normativa, explorando sua repercussão na prática forense, os potenciais riscos à segurança jurídica e os desafios enfrentados pela advocacia diante da nova realidade processual trabalhista.
2. O Novo Regramento Recursal: Estrutura e Objetivos
A Resolução nº 224/2024 alterou a Instrução Normativa nº 40/2016, introduzindo uma sistemática inovadora para o manejo recursal nos casos em que o recurso de revista é denegado com base em tese jurídica pacificada. O principal objetivo da norma é otimizar o trâmite processual, restringindo o acesso ao TST em situações nas quais a controvérsia já tenha sido resolvida mediante precedentes vinculantes.
Conforme o novo regramento, a decisão denegatória fundamentada em precedentes qualificados desafiará agravo interno, enquanto, para as demais matérias, caberá agravo de instrumento. Nos casos em que o recurso de revista contenha capítulos distintos, a norma exige a interposição simultânea de ambos os recursos, sob pena de preclusão.
Essa dinâmica impõe a observância de dois pontos cruciais:
1. Primazia do julgamento do agravo interno: o agravo interno será apreciado pelo órgão colegiado competente do TRT, devendo ser julgado antes do agravo de instrumento.
2. Efeitos recursais distintos: o processamento do agravo de instrumento ocorrerá apenas após a análise definitiva do agravo interno.
Se o agravo interno for provido, o TRT dará seguimento ao recurso de revista quanto ao capítulo objeto da insurgência. Caso o agravo interno seja desprovido, a decisão regional será irrecorrível, nos termos do § 3º do artigo 1º da Resolução.
3. O Acesso à Jurisdição Superior: Limites e Possíveis Controvérsias Constitucionais
A disposição que impede a interposição de qualquer recurso contra o desprovimento do agravo interno suscita importantes reflexões sobre o acesso à jurisdição. A norma, ao estabelecer que “na hipótese de o agravo interno ser desprovido, nenhum recurso caberá dessa decisão regional”, cria uma barreira ao reexame da controvérsia pelo TST.
Essa restrição, embora tenha respaldo na busca pela eficiência processual, pode ensejar questionamentos quanto à sua compatibilidade com o princípio constitucional da inafastabilidadeda jurisdição, insculpido no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.
3.1. Mandado de Segurança e Reclamação Constitucional
Ainda que o texto normativo vede expressamente a interposição de recursos ordinários, admite-se, em situações excepcionais, a utilização de remédios constitucionais. O mandado de segurança pode ser manejado diante de flagrante ilegalidade ou abuso de poder, enquanto a reclamação constitucional se mostra viável nos casos de descumprimento de tese vinculante fixada pelo STF ou pelo próprio TST.
Tais instrumentos, contudo, não podem ser utilizados como sucedâneos recursais, exigindo demonstração inequívoca da violação de direito líquido e certo ou do desrespeito a precedente qualificado.
3.2. Possíveis Controvérsias no STF
É previsível que a constitucionalidade da norma venha a ser submetida à análise do Supremo Tribunal Federal (STF). O cerne da discussão reside na possibilidade de o TST, ao restringir o acesso à instância superior, comprometer o direito fundamental de revisão judicial em situações nas quais possa haver indevida aplicação dos precedentes vinculantes.
4. Desafios para a Advocacia Trabalhista
A advocacia trabalhista enfrenta, com a vigência da Resolução nº 224/2024, uma série de novos desafios que exigirão adaptação, estudo contínuo e reformulação de estratégias recursais.
4.1. Domínio da Técnica de Precedentes
A correta aplicação e impugnação de IRR, IRDR e IAC impõe ao profissional da advocacia um aprofundamento teórico e prático no funcionamento do sistema de precedentes. O advogado deverá dominar conceitos como:
• Distinguishing: técnica que permite afastar a aplicação do precedente quando o caso concreto apresenta peculiaridades fáticas ou jurídicas não abrangidas pela tese vinculante.
• Overruling: mecanismo de superação do precedente quando houver alteração significativa no contexto jurídico ou social que o fundamentou.
4.2. Reestruturação de Práticas e Honorários
A exigência de interposição simultânea de agravo interno e agravo de instrumento nos casos de capítulos recursais distintos impactará diretamente o planejamento e a organização das rotinas advocatícias.
Além disso, a redução no número de recursos dirigidos ao TST poderá impactar os contratos de honorários tradicionalmente estruturados com base na interposição de agravos de instrumento. A tendência será a valorização de honorários consultivos e preventivos, voltados à análise de viabilidade recursal e ao estudo dos precedentes aplicáveis ao caso concreto.
5. Riscos de Divergência Jurisprudencial e Segurança Jurídica
Embora a Resolução nº 224/2024 busque uniformizar a aplicação dos precedentes, a concentração da análise no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) pode ensejar interpretações divergentes quanto à aplicação das teses jurídicas pacificadas.
Essa descentralização do controle sobre a aplicação dos precedentes gera o risco de insegurança jurídica, especialmente em TRTs com menor familiaridade com a sistemática de precedentes vinculantes.
Caso tais divergências se tornem frequentes, o próprio objetivo da norma poderá ser comprometido, exigindo eventual intervenção corretiva do TST.
6. Conclusão
A Resolução nº 224/2024 do TST inaugura um novo paradigma no sistema recursal trabalhista, ao priorizar o agravo interno no julgamento das decisões que negam seguimento ao recurso de revista com base em precedentes qualificados.
Essa reformulação promove uma aproximação com as diretrizes processuais estabelecidas pelo CPC/2015, conferindo maior racionalidade e previsibilidade ao trâmite dos recursos no processo do trabalho.
Entretanto, a implementação da norma impõe desafios significativos à advocacia trabalhista, que precisará se aprimorar na análise de precedentes, reestruturar práticas processuais e manter-se vigilante quanto à correta aplicação das teses vinculantes pelos Tribunais Regionais.
Por fim, o êxito dessa inovação dependerá, em grande medida, da capacidade dos TRTs de aplicarem, de forma uniforme e consistente, os precedentes estabelecidos pelo TST, garantindo, assim, a segurança jurídica e a celeridade processual pretendidas pela nova sistemática recursal.
Fontes de Pesquisa
• Tribunal Superior do Trabalho (TST). Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 15 de fevereiro de 2025.
• Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT). Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, com as alterações introduzidas pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista).
• Código de Processo Civil ( CPC). Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
• Constituição Federal de 1988.
• Instrução Normativa nº 40/2016 do TST. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 15 de fevereiro de 2025.
• Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência sobre precedentes vinculantes, art. 927 do CPC e princípio da inafastabilidade da jurisdição. Acesso em: 15 de fevereiro de 2025.
• Revista de Direito Processual do Trabalho e Seguridade Social. Artigos sobre a aplicação de IRR, IRDR e IAC no processo do trabalho. Consultado em: 14 de fevereiro de 2025.
• Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Estudos sobre o sistema de precedentes no processo civil brasileiro. Disponível em: www.cnj.jus.br. Acesso em: 14 de fevereiro de 2025.
• Doutrina especializada: CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2023.
Data da conclusão da pesquisa: 15 de fevereiro de 2025.
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